Desprendimento: O que É Realmente

Desprendimento é um conceito profundo que se refere à capacidade de se desapegar, de soltar ou liberar-se de vínculos excessivos com bens materiais, resultados específicos ou estados emocionais.

Contexto Filosófico e Espiritual: Em muitas tradições filosóficas e espirituais, o desprendimento representa uma forma de libertação do apego excessivo às coisas materiais, desejos ou resultados específicos. É sobre cultivar uma liberdade interior que não depende de circunstâncias externas.

Perspectiva Psicológica: Do ponto de vista psicológico, o desprendimento pode ser visto como maturidade emocional - a habilidade de investir esforço e cuidado em algo enquanto simultaneamente aceita que não se pode controlar todos os resultados. Isso não significa indiferença, mas sim uma abordagem equilibrada às incertezas da vida.

Aplicações Práticas: No dia a dia, o desprendimento pode envolver aprender a dar generosamente sem esperar retornos específicos, perseguir objetivos com dedicação enquanto aceita que os resultados podem variar, ou manter relacionamentos com amor respeitando a autonomia dos outros.

Benefícios: Praticar o desprendimento frequentemente leva à redução da ansiedade, maior resistência diante de contratempos, melhores relacionamentos e uma sensação mais profunda de paz interior. Permite um engajamento mais autêntico com a vida porque as ações vêm de intenção genuína ao invés de apego a resultados específicos.

O conceito encoraja um equilíbrio entre o cuidado engajado e o sábio desapego, promovendo tanto o crescimento pessoal quanto relacionamentos harmoniosos com outros e o mundo ao redor.

1. A Verdadeira Natureza do Desprendimento

A verdadeira devoção exige que a alma "despoje-se do homem velho e revista-se do novo, abandonando o pecado; depois, corte e elimine todos os impedimentos que afastam do amor de Deus". Isso implica um necessário “desapego” de tudo aquilo que dificulta o relacionamento com Deus.

O desapego não se limita a evitar o pecado mortal, mas inclui também "livrar o coração de todas as afeições ligadas ao pecado". Essas afeições persistentes tornam o espírito "perpetuamente doente e apático", impedindo que se pratiquem boas ações com prontidão, diligência e frequência — elementos essenciais da devoção.

O autor recomenda "libertar a alma de toda afeição aos pecados veniais". Ainda que os pecados veniais não matem a alma, o apego a eles "corrompe a devoção" e "entorpece as potências da alma". Isso significa que não se deve, de forma deliberada, conservar a vontade de permanecer no pecado venial, pois isso demonstra disposição de desagradar a Deus.

É crucial também "libertar-se da afeição por coisas inúteis e perigosas". Mesmo aquilo que não é essencialmente ruim — como jogos, danças, banquetes e espetáculos — torna-se problemático quando há apego. "O mal não está em fazê-los, mas em se apegar a eles". Esses apegos ocupam o espaço destinado aos bons sentimentos e impedem o crescimento espiritual.

2. Pobreza de Espírito versus Riquezas Materiais

O conceito de "pobreza de espírito" é central, ressaltando que se pode ser rico materialmente e, ainda assim, espiritualmente pobre (desapegado), ou pobre materialmente e espiritualmente rico (apegado às coisas do mundo).

"Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus; infelizes, pois, os ricos de espírito, pois a miséria do inferno os espera".

Uma pessoa “rica de espírito” é aquela que "tem as riquezas no coração e o coração nas riquezas", ao passo que o “pobre de espírito” "não tem riquezas no coração, nem o coração nas riquezas".

O coração deve estar "aberto somente ao céu e impenetrável às riquezas fugazes e aos bens perecíveis". Pode-se possuir riquezas sem ser “envenenado” por elas, desde que estejam na casa ou na carteira — e não no coração.

Sinais de apego às riquezas incluem o desejo intenso e ansioso por bens que não se possui, o envolvimento exagerado do coração com aquilo que se tem, e o desânimo profundo diante de perdas.

A Doutrina Católica aconselha "não desejar com ansiedade e avidez aquilo que não se possui; não envolver demasiadamente o coração naquilo que se possui; não desesperar diante das perdas que possam ocorrer". Agindo assim, pode-se ser rico de fato, mas pobre de afetos equivocados — e, portanto, verdadeiramente feliz e digno do Reino dos Céus.

3. Meios Práticos para Viver o Desapego

Dar esmolas: Uma maneira prática de alcançar a verdadeira pobreza (desapego), mesmo possuindo riquezas, é "começar a dar generosamente alguns de seus bens aos pobres: dar significa empobrecer-se na medida do que se dá; e quanto mais se dá, mais pobre se torna". Esse ato de caridade é considerado uma "santa e rica pobreza".

Amar e servir os pobres: Para ser verdadeiramente pobre de espírito, é necessário amar os pobres e estar próximo deles, ficar contente quando eles vêm à sua casa, conversar com simplicidade e repartir generosamente com eles. Mais ainda: pode-se "tornar-se servo dos pobres", assistindo-os em suas enfermidades com as próprias mãos, cozinhando ou lavando para eles. São Luís, por exemplo, frequentemente servia aos pobres — até mesmo os que tinham doenças repulsivas — de joelhos.

Aceitar incômodos e perdas: É importante "aceitar com serenidade a diminuição dos bens e adaptar-se com paciência e constância à pobreza" diante de perdas causadas por granizo, fogo, enchentes ou roubo. Porque os bens "nos foram confiados apenas para que cuidássemos deles segundo a vontade de Deus, e não para prendê-los ao coração", sua perda não deve, portanto,  levar ao desespero.

Abraçar a pobreza real: Se alguém é realmente pobre, a Dourina Católica encoraja a abraçar essa condição, chamando-a de "pedra preciosa" e "amável amiga do Coração de Jesus Cristo". Trata-se de um privilégio único: não ter escolhido a pobreza, mas tê-la recebido diretamente da vontade de Deus. Reclamar a pobreza para si revela, na verdade, riqueza de espírito — e não pobreza espiritual.

Ordenar os desejos: O desapego também envolve ordenar os desejos. Não se deve "desejar coisas perigosas para a alma, como danças, jogos e passatempos em geral", nem "cargos, honras, e nem mesmo visões e êxtases". Os desejos por coisas distantes ou inalcançáveis devem ser evitados, pois "desgastam e empobrecem inutilmente o coração". Em vez disso, é preciso concentrar-se nos deveres presentes e ordenar os desejos segundo a vontade de Deus e sob uma boa direção espiritual.

"Usar do mundo como se não usasse": Esse princípio fundamental significa participar das coisas do mundo conforme a própria vocação, mas "sem apego afetivo, de modo a estar sempre livre e pronto para servir a Deus sem que o mundo seja um obstáculo". A Doutrina Católica distingue entre gozar das coisas espirituais e apenas usar as coisas materiais. Transformar o uso das coisas materiais em fruição leva a alma a se tornar "bruta e bestial".

A viuvez como exemplo de desapego: Para as viúvas, a verdadeira viuvez consiste em estar desapegada no coração das alegrias do mundo, renunciando voluntariamente a elas e dedicando as afeições somente a Deus. "A viúva que vive em delícias já está morta, embora viva". A renúncia a um segundo matrimônio deve ser feita por amor a Deus, e não por motivos mundanos, como deixar bens aos filhos, pois "diante de Deus nada pode ser louvado verdadeiramente se não for feito por Ele".

Em essência, a Doutrina Católica propõe uma purificação radical do coração de todos os apegos — sejam eles ao pecado, aos prazeres supérfluos, aos desejos ou aos bens materiais — para favorecer um amor profundo e sincero a Deus. Esse desapego não é apenas uma abstinência externa, mas uma disposição interior do coração, que permite usar os bens e participar das atividades do mundo sem ser escravizado por eles.

Bibliografia Consultada

• De Gallifet, Giuseppe. Eccellenza e Pregi della Devozione al Cuor Adorabile di Gesù Cristo. Translated from French, 2nd ed. Bologna: Ufficio del Messaggere del Sacro Cuore, Tipografia Pontificia Mareggiani, 1875. [Source: DEGALIFET_ECCELLENZASCUORE-c0mtmq.pdf]

    ◦ Available at: https://play.google.com/books/reader?id=3sGeOiUePXgC&pg=GBS.PP4&hl=it

• De Sales, Francis. Filotea: Introduzione alla Vita Devota. (Publication details not specified in the provided excerpt). [Source: Sales_Filotea.pdf]


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